Entrevista a Bill T. Jones, coreógrafo norte-americano: "Só quero lançar questões"

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Em Serralves apresenta Blauvelt Mountain, de 1980. No CCB, Blind Date, de 2005. Ao olhá-los juntos vê um sentido?

Passou muito tempo, mas há coisas que se mantêm, como o desejo de combinar diferentes corpos, personalidades, experiências e linguagens. Mas Blind Date é mais rico, porque coloca muitas questões e não reflecte apenas a minha posição ou a do Arnie [Zane, parceiro de Bill T. Jones, que morreu em 1988, vítima de sida], mas a dos

vários elementos da companhia.

Sente nostalgia dos anos 80?

Nada. Fico feliz por ter vivido essa época e por estar vivo hoje. Mas fazer esta retrospectiva é agradável.

Em Blind Date há muitas forças opostas, como a abertura e o fundamentalismo. É também um encontro entre a arte e o mundo?

Eu penso que a arte é a chama onde se encontram a cultura e a vida. O Blind Date é uma análise da minha prática como artista e de um diálogo que aconteceu no meu país durante as últimas eleições. Esquerda, direita, traidores, patriotas, bem, mal. Uma coisa que um homem de meia idade tem é mais humildade para com as ideias, não tenta tomar uma posição forte mas lançar-se questões. O que sinto eu sobre o patriotismo, a fé, a moral?

Interessa-lhe menos a política?

Sim, não vejo tanto o meu trabalho como político. Dizer às pessoas o que está certo, convencê-las a serem mais gentis, a compreenderem-se umas às outras? Um artista fala do seu diálogo interno, partilha as questões que se coloca.

Tem hoje uma companhia multicultural. É a sua forma de tentar compreender o mundo, uma vez que não o pode abraçar?

É um dos benefícios da diversidade da companhia. Ajuda-me a perceber melhor o mundo e os seus problemas. Será que assumimos as nossas responsabilidades como indivíduos? Há valores que protegeremos até com as nossas vidas? Podemos achar que os jovens iraquianos estão errados, mas admiro-os por acreditarem em algo maior do que eles. Acontecerá o mesmo com as minhas audiências? |

O que o faria lutar até à morte?

Poder viajar livre, poder falar livremente com um jornalista enquanto vou num carro cheio de gente que eu respeito, simplesmente porque isso representa a vida.

Está muito ligado à sua companhia. Não teme diluir-se nela?

Nada, tenho um ego enorme e uma personalidade forte. Nunca me esqueço de que esta organização foi sonhada por mim. As pessoas vêm procurar emprego mas também algo em que acreditam, e essa integridade é o meu desejo. Tenho uma mão aberta e outra fechada, entende o que quero dizer?

Dança sozinho, sem razões?

Sim, herdei isso da minha mãe. Ela era capaz de se transportar facilmente para um estado religioso.

A dança é a sua religião?

Não. É uma palavra muito forte. A religião ajuda pessoas a encontrar a sua ordem neste mundo caótico, mas eu, como artista, estou mais interessado na espiritualidade.

Talvez estranhe a pergunta, mas quero fazê-la: como americano negro nascido a meio do século XX e bailarino de enorme ligação à música, o que significou para si a morte de James Brown?

Ahahah! James Brown... Não, claro que faz sentido! Foi um momento muito forte, ia a guiar o meu carro e senti o mesmo que senti quando morreu o Lennon. Eles viviam para nós. Quando, em miúdo, ouvia James Brown gritar como uma mulher e o via a dançar, sabia que era show business, mas tinha um impacto fortíssimo e ia muito além disso. Ele fez os afro-americanos entenderem a sua raiz, a sua mãe: África. Foi como se um membro da família ou um líder espiritual morresse.

E onde encontra hoje, depois de ter viajado pelo mundo inteiro, as suas raízes?

Faz-me dizer uma coisa triste: a minha raiz é a minha dor. Angústia, indecisão, preocupação com o futuro, desamparo num mundo que se move muito depressa para mim.

Tem medo do futuro?

Aprendi a não ter. Antes do seu telefonema perguntava-me se gosto mesmo de pessoas. Tornam-me ansioso. Às vezes a minha companhia olha-me e sinto-me inseguro. Mas tenho uma confiança interior que equilibra isso. Não fico paralisado.

Mas age por medo?

Há muita coisa que me faz agir: a ambição, a raiva, o amor. Não sei o que é: a luz vista deste carro, as árvores, a pressão dos amigos. Quero ter orgulho em mim, passar bons momentos, quero que o meu sobrinho olhe para o tio como um louco, sim senhor, mas com integridade.

Diz que o mundo anda depressa, mas em certo sentido voltámos ao preto e branco: bons de um lado, terroristas do outro.

Eu não uso a palavra terroristas, prefiro extremistas. Há muitas palavras para dividir as pessoas. Fala-me de preto e branco, mas eu vejo isto é mais cinzento. |

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